(Os grãos
de Quetzacóatl)
Raro para ser desejado, apenas abundante para não
faltar, portador de atributos mágicos, o cacau é a moeda de prestígio da
América Pré-Colombiana.
A moeda nasce nas árvores, notaram admirados os
cronistas espanhois quando chegaram ao México, seguindo os passos dos
conquistadores, eles acabavam de se aperceber que os grãos de cacau serviam de
numerário.
Havia nessa ocasião duas grandes regiões
produtoras de cacau. Chontalpa e Soconusco no México, e a bacia do Ulúa (Ulhoa no Honduras)
.
A produção e a circulação dos preciosos grãos,
assim como a sua consumição era rigorosamente controlada pelos nobres e
comerciantes do México e do Iucatão.
O pouco rendimento e as dificuldades de
transporte, faziam do cacau uma mercadoria rara e por conseguinte de muito
valor.
Quando não podiam levar os seus produtos por via navegável, e por não
possuírem veículos a tração animal, tinham recurso a pochtecas (carregadores índios) equipados dum
mecapal para transportar as mercadorias.
Moeda primitiva, o cacau não podia exercer as
funções de um instrumento monetário.
Servia como um dos principais intermediários de
trocas, mas como valor os Astecas e os Maias utilizavam uma peça de estofo de
algodão, o “quachtli”.
Quachtli
No Iucatão o quachtli equivalia a 450 horas de
trabalho, e valia mais ou menos 100 grãos de cacau.
Podemos afirmar à certeza que o valor da
maioria dos bens em circulação podia ser definida em
cacau, mas, também era apreciado em peças de estofo a valor constante.
A usagem monetária dos grãos de cacau impôs-se, porque ao contrário da peça de
estofo estes podiam ser fracionados.
Os antigos mexicanos preparavam com o cacau uma
bebida ritual “amarga”, exclusivamente reservada aos nobres e guerreiros; o “xocoati ”.
Este privilégio reforçava o poder da nobreza,
porque se atribuía ao chocolate poderes mágicos; era o alimento dos deuses.
Esta bebida composta com grãos de cacau torrado e moído misturado com água
e especiarias, era muito diferente do delicioso chocolate que hoje bebemos.
Talvez se assimilasse o xocoati com o sangue
dos sacrifícios humanos oferecidos aos deuses, nomeadamente à extração do coração
das vítimas imoladas em louvor de Quetzalcoatl nas
cidades toltecas do Iucatão e do vale do México.
(Toltecas: povo
pré-colombiano mesoamericano que dominaram grande parte do México central entre
os séculos X e XII).
Sacrifício humano-extração do coração
Quetzacóatl
(Quetzalcóatl era o deus
mais endeusado da cultura asteca.
Considerado como aquele que
mandou plantar cacaueiros na terra e em honra do qual se preparava o xocoati,
este deus prometeu regressar um dia para salvar o seu povo.
Por um concurso de
circunstâncias Herman Cortes foi considerado como tal).
Segundo a mitologia mexicana, Quetzacóatl (o jardineiro do paraíso) iniciou o
homem à cultura do cacau na época em que vivia em Tula.
Quando partiu para o litoral, enterrou as
moedas de então, conchas penas e pedras preciosas e o cacau seria então
investido dos atributos mágicos do deus
que lhe tinha dado curso.
Os astecas foram os últimos senhores do Vale do México.
Este próspero Império que estendia a sua
dominação sobre todos os povos que se
tinham disputado o controlo do vale, devia o seu progresso aos tributos pagos
pelas trinta e cinco províncias; entre elas Soconusco, que segundo o Códice
Mendonza, pagava 400 dos 900 encargos requisitados pelo Estado.
Armazenado em celeiros, os grãos eram em
seguida encaminhados para os templos e casernas, centros do poder imperial do Tenochtitlán
e das cidades aliadas que, segundo os cronistas eram grandes consumidoras de
chocolate.
(Tenochtitlán: Capital do Império Asteca durante o período Pós-Clássico da
Mesoamérica, localizava-se onde atualmente é a
cidade do México).
Utilização do cacau na
civilização maia
Ao contrário dos Astecas, na civilização Maia
as elites políticas e mercantes coabitavam; por isso o cacau entrava na vida
social pelo comércio e não como tributo.
Em contrapartida o valor do cacau em circulação era
equivalente ao do quachtli; grãos de cacau e peças de algodão serviam de estalão
de valor para todas as mercadorias, incluindo algumas terras produtoras de
outros bens comerciais.
Da
necessidade de se apoderar da mão de obra na comunidade campesina nasceu a escravidão.
Vendiam-se e compravam-se homens com grãos de cacau.
Por cem grãos de primeira qualidade adquiria-se
um escravo, por dez um coelho.
Segundo Diego de Landa que escreveu a crónica
dos maias do Iucatão, estes eram extremamente propensos ao comércio, e encaminham
o sal, vestuário e escravos, para as terras de Ulúa e de Tabasco, para trocarem
com estes povos por cacau e colares de pedras, que a estes serviam de moeda, e que lhes iria permitir comprar mais escravos e outras pedras mais preciosas.
A produção do cacau acrescida graças aos
escravos maias e talvez mesmo alguns astecas, favorizou a sua circulação nas
classes inferiores, mas sempre sob o controlo da aristocracia.
Diversas crónicas coloniais e etnográficas,
confirmam que o cacau servia de oferenda e presente, aquando dos ritos de algumas
cerimónias; exemplo casamentos e funerais.
Qual era a sua função na
acumulação da riqueza?
Os grãos de cacau tinham que ser consumidos num
período de tempo inferior a um ano.
Maias e astecas, adoptaram para este
inconveniente, um comportamento diferente imposto geralmente pela classe
social.
No vale do México, os comerciantes para não
ofender o imperador, tinham que se mostrar muito discretos.
Segundo o
crónista Bernardino de Sahagum, vestiam-se
modestamente, mesmo à pobre.
Quanto aos mercadores pochteques (com grande
poder económico e político) a vaidade da nobreza obrigava-os a desfazer-se
de grandes quantidades de cacau, fazendo grandes ofertas aos templos e outros
dons.
No México, o cacau era um objecto de prestígio,
e simbolizava a posição social.
Em Itzá (Iucatão),
a riqueza (graças ao cacau), era ostentada pelos ricos senhores
produtores que possuíam muitos escravos e palácios ricamente decorados.
Em Tulum, a sua cultura também era incentivada,
porque o benefício podia ser investido em culturas comerciais e na aquisição de
mão de obra cativa.
Isso explica sem dúvida a razão porque os
espanhois conservaram a usagem monetária do cacau no Iucatão, substituindo o
real e o estofo de algodão como estalão de
valor, mas sempre em relação com as flutuações da produção do cacau.
Estes preciosos
grãos, ainda eram utilizados no século XIX para pagar aos assalariados do Iucatão
e outras regiões da América Central.
Sobre este assunto
em 1842, John L. Stephens (viajante americano) escreveu.
Observei que os índios
utilizavam os grãos de cacau como moeda.
No Iucatão não
existem moedas de cobre nem valores inferiores ao meio real.
Os salários dos índios
são mínimos, mas os bens que eles podem
obter com os grãos são indispensáveis no quotidiano; por isso os grãos de cacau
são geralmente utilizados como moeda.
Após a colonização do México, o cacau foi exportado para o continente, onde
misturado com leite, teve sucesso imediato
Na Europa, foi principalmente entre as elites que o cacau começou a ser
consumido não só como bebida, mas também em confeitarias, enquanto no México o
seu uso generalizou-se rapidamente a toda a população.
Na colónia espanhola, as elites sociais consumiam a bebida mestiça, quente
e doce, enquanto o povo continuou a beber segundo o uso pré-hispânico.
Como moeda, a
sua utilização no mercado pelos nativos ainda durou muitos anos.
Esta
deliciosa bebida rapidamente despertou a
suspeita da igreja.
A vigilância
da autoridade eclesiástica foi tanto maior, porque o chocolate era conhecido
por ser afrodisíaco.
MGeada
Bibliografia
Riviero P.P. : Les graines
de Quetzalcóatl, Le courrier de L’Unesco, Janeiro 1990, vol.43, pag.16-19.
Du cacao au nuevo peso : La
numismatique mexicaine, catalogue de l’exposition, Bruxeles, Banque national de
Belgique.
Bourgaux A. : Quatre siècles
de l’histoire du cacao et du cocolat, Bruxelas, Office international du cacao e
du chocolat, 1935.
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