sábado, 25 de abril de 2015


A moeda nasce nas árvores !!!
(Os grãos de Quetzacóatl)

Raro para ser desejado, apenas abundante para não faltar, portador de atributos mágicos, o cacau é a moeda de prestígio da América Pré-Colombiana.

A moeda nasce nas árvores, notaram admirados os cronistas espanhois quando chegaram ao México, seguindo os passos dos conquistadores, eles acabavam de se aperceber que os grãos de cacau serviam de numerário.
 
Havia nessa ocasião duas grandes regiões produtoras de cacau. Chontalpa e Soconusco no México, e a bacia do Ulúa (Ulhoa no Honduras) .
A produção e a circulação dos preciosos grãos, assim como a sua consumição era rigorosamente controlada pelos nobres e comerciantes do México e do Iucatão.

O pouco rendimento e as dificuldades de transporte, faziam do cacau uma mercadoria rara e por conseguinte de muito valor.


Quando não podiam levar os seus produtos por via navegável, e por não possuírem veículos a tração animal, tinham recurso a pochtecas (carregadores índios) equipados dum mecapal para transportar as mercadorias.

Moeda primitiva, o cacau não podia exercer as funções de um instrumento monetário.
Servia como um dos principais intermediários de trocas, mas como valor os Astecas e os Maias utilizavam uma peça de estofo de algodão, o “quachtli”.

Quachtli

No Iucatão o quachtli equivalia a 450 horas de trabalho, e valia mais ou menos 100 grãos de cacau.
Podemos afirmar à certeza que o valor da maioria dos bens em circulação podia ser definida em cacau, mas, também era apreciado em peças de estofo a valor constante.

A usagem monetária dos grãos de  cacau impôs-se, porque ao contrário da peça de estofo estes podiam ser fracionados.

Os antigos mexicanos preparavam com o cacau uma bebida ritual “amarga”, exclusivamente reservada aos nobres e guerreiros; o “xocoati ”.

Este privilégio reforçava o poder da nobreza, porque se atribuía ao chocolate poderes mágicos; era o alimento dos deuses.
Esta bebida composta com grãos de cacau torrado e moído misturado com água e especiarias, era muito diferente do delicioso chocolate que hoje bebemos.

Talvez se assimilasse o xocoati com o sangue dos sacrifícios humanos oferecidos aos deuses, nomeadamente à extração do coração das vítimas imoladas em louvor de Quetzalcoatl nas cidades toltecas do Iucatão e do vale do México.
(Toltecas: povo pré-colombiano mesoamericano que dominaram grande parte do México central entre os séculos X e XII).


Sacrifício humano-extração do coração

Quetzacóatl

(Quetzalcóatl era o deus mais endeusado da cultura asteca.
Considerado como aquele que mandou plantar cacaueiros na terra e em honra do qual se preparava o xocoati, este deus prometeu regressar um dia para salvar o seu povo.
Por um concurso de circunstâncias Herman Cortes foi considerado como tal).

Segundo a mitologia mexicana, Quetzacóatl (o jardineiro do paraíso) iniciou o homem à cultura do cacau na época em que vivia em Tula.
Quando partiu para o litoral, enterrou as moedas de então, conchas penas e pedras preciosas e o cacau seria então investido dos  atributos mágicos do deus que lhe tinha dado curso.

Os astecas foram os últimos senhores  do Vale do México.
Este próspero Império que estendia a sua dominação sobre todos os povos que  se tinham disputado o controlo do vale, devia o seu progresso aos tributos pagos pelas trinta e cinco províncias; entre elas Soconusco, que segundo o Códice Mendonza, pagava 400 dos 900 encargos requisitados pelo Estado.         

Armazenado em celeiros, os grãos eram em seguida encaminhados para os templos e casernas, centros do poder imperial do Tenochtitlán e das cidades aliadas que, segundo os cronistas eram grandes consumidoras de chocolate.
(Tenochtitlán: Capital do Império Asteca durante o período Pós-Clássico da Mesoamérica, localizava-se onde atualmente é a  cidade do México)
  
Utilização do cacau na civilização maia
  
Ao contrário dos Astecas, na civilização Maia as elites políticas e mercantes coabitavam; por isso o cacau entrava na vida social pelo comércio e não como tributo.

Em contrapartida  o valor do cacau em circulação era equivalente ao do quachtli; grãos de cacau e peças de algodão serviam de estalão de valor para todas as mercadorias, incluindo algumas terras produtoras de outros bens comerciais.


Da  necessidade  de  se apoderar da mão de obra  na comunidade campesina nasceu a escravidão. Vendiam-se e compravam-se homens com grãos de  cacau.
Por cem grãos de primeira qualidade adquiria-se um escravo, por dez um coelho.

Segundo Diego de Landa que escreveu a crónica dos maias do Iucatão, estes eram extremamente propensos ao comércio, e encaminham o sal, vestuário e escravos, para as terras de Ulúa e de Tabasco, para trocarem com estes povos por cacau e colares de pedras, que a estes serviam de moeda, e  que lhes iria permitir  comprar mais escravos e outras pedras mais preciosas.

A produção do cacau acrescida graças aos escravos maias e talvez mesmo alguns astecas, favorizou a sua circulação nas classes inferiores, mas sempre sob o controlo da aristocracia.

Diversas crónicas coloniais e etnográficas, confirmam que o cacau servia de oferenda e presente, aquando dos ritos de algumas cerimónias; exemplo casamentos e funerais.

Qual era a sua função na acumulação da riqueza?

Os grãos de cacau tinham que ser consumidos num período de tempo inferior a um ano.
Maias e astecas, adoptaram para este inconveniente, um comportamento diferente imposto geralmente pela classe social.

No vale do México, os comerciantes para não ofender o imperador, tinham que se mostrar muito discretos.
Segundo o  crónista Bernardino de Sahagum,  vestiam-se modestamente, mesmo à pobre.

Quanto aos mercadores pochteques (com grande poder económico e político) a vaidade da nobreza obrigava-os a desfazer-se de grandes quantidades de cacau, fazendo grandes ofertas aos templos e outros dons.

No México, o cacau era um objecto de prestígio, e simbolizava a posição social.
Em Itzá (Iucatão), a riqueza (graças ao cacau), era ostentada pelos ricos senhores produtores que possuíam muitos escravos e palácios ricamente decorados.
Em Tulum, a sua cultura também era incentivada, porque o benefício podia ser investido em culturas comerciais e na aquisição de mão de obra cativa.

Isso explica sem dúvida a razão porque os espanhois conservaram a usagem monetária do cacau no Iucatão, substituindo o real e o estofo de algodão como estalão de valor, mas sempre em relação com as flutuações da produção do cacau.


Estes  preciosos grãos, ainda eram utilizados no século XIX para pagar aos assalariados do Iucatão e outras regiões  da América Central.

Sobre este assunto em 1842, John L. Stephens (viajante americano) escreveu.
Observei que os índios utilizavam os grãos de cacau como moeda.
No Iucatão não existem moedas de cobre nem valores inferiores ao meio real.
Os salários dos índios são mínimos, mas  os bens que eles podem obter com os grãos são indispensáveis no quotidiano; por isso os grãos de cacau são geralmente utilizados como moeda.




Após a colonização do México, o cacau foi exportado para o continente, onde misturado com leite, teve sucesso imediato

Na Europa, foi principalmente entre as elites que o cacau começou a ser consumido não só como bebida, mas também em confeitarias, enquanto no México o seu uso generalizou-se rapidamente a toda a população. 

Na colónia espanhola, as elites sociais consumiam a bebida mestiça, quente e doce, enquanto o povo continuou a beber segundo o uso pré-hispânico. 
Como moeda, a sua utilização no mercado pelos nativos ainda durou muitos anos.

Esta deliciosa  bebida rapidamente despertou a suspeita da igreja.
A vigilância da autoridade eclesiástica foi tanto maior, porque o chocolate era conhecido por ser afrodisíaco.

MGeada

Bibliografia

Riviero P.P. : Les graines de Quetzalcóatl, Le courrier de L’Unesco, Janeiro 1990, vol.43, pag.16-19.
Du cacao au nuevo peso : La numismatique mexicaine, catalogue de l’exposition, Bruxeles, Banque national de Belgique.
Bourgaux A. : Quatre siècles de l’histoire du cacao et du cocolat, Bruxelas, Office international du cacao e du chocolat, 1935.


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