Bigas trigas e quadrigas na numismática romana.
Numa passagem da “Germânia” de Tácito, (historiador, orador e político romano,
55-120, a.C.,) o autor mencionou que, tal como os denários “Serrati”
serrados e, os “Bigatis” Bigas, são as moedas de prata favoritas dos bárbaros
nas suas transações com os romanos.
As “bigati”,
são denários da República Romana que têm como tipo de reverso, uma divindade
numa biga: um carro puxado por dois cavalos.
A emissão das mais antigas bigas remonta a cerca
do ano 217 a.C., e, eram cunhadas
simultaneamente com os denários tipo “Dióscuros”.
Como estes, têm no anverso a deusa Roma com capacete
mas, o reverso é ocupado pela deusa Lua (ou Selene na mitologia grega) num
carro puxado por dois cavalos ao galope. Os equi lunares “lunares equi” ? mencionados
por Ovídio (Fasti, V,16).
Denário
cunhado em Roma em 109-108 a.C.
Rev. a Lua
conduzindo uma biga puxada por cavalos
(Ref. Crawford-303/1,
Sydenham-557)
Mais ou menos na mesma época foram emitidos em
Roma “bigatis” tipo Vitória semelhantes aos
da Lua, que dizem terem sido copiados
das moedas da Grande Grécia.
Campânia-AE 25
cunhado em Cápua em 216-211 a.C. (Sob a ocupação de Aníbal)
Rev. uma Vitória conduzindo uma biga puxada por
cavalos
(Exemplar da Biblioteca Nacional de França)
(Ref. J. Babelon, Catálogo
da coleção de Luynes, Paris, 1936, n.62
Denário cunhdo em Roma no ano 154-141 a.C.
Rev. Uma Vitória conduzindo uma biga puxada por cavalos
(Ref. Crawford-206, Sydenham-388,
BMC-670)
Oa denários “bigati” com bigas tipo Lua e Vitória,
foram emitidos em grande abundância até ao ano 104 a.C., mas, estes não
destronaram o tipo primitivo dos dióscuros Castor e Polux a cavalo, que
continuou a ser o mais comum, até que os emblemas particulares dos magistrados,
foram substituindo os primeiros reversos
tradicionais.
Denário cunhado em Roma 211-209 a.C.
Rev. Dioscuros cavalgando para a direita
(Ref. Crawford-61/1,
Sydenham-147)
É provável que o nome “bigati”para os “Germanos”
de Tácito, englobava não só os denários tipo biga conduzida
pela “Lua” ou, por uma “Vitória”, mas também os do
tipo Dióscuros galopando lado a lado com uma lança na mão.
No seguimento das cunhagens da República Romana, encontramos outros denários
aos quais devido ao seu tipo também podemos chamar “Bigatis”.
São os diferentes reversos da biga de Diana, esta
conduzindo uma biga puxado por cavalos
ou veados, de Apolo, ou ainda Juno Caprotina numa biga puxada por bodes.
Enumeremos também os denários com as bigas de
Ceres, Cibele, de Marte, Génio do povo romano, da Liberdade, da Pietas: não esquecendo as bigas puxadas por
centauros, dragões, elefantes, leões,
hipocampos etc..
Denário
cunhado em Roma 179/170 a.C.
Rev.
Diana conduzindo uma biga puxada por cavalos
(Ref. Sydenham-325)
Denário
cunhado em Roma 138 a.C.
Rev. Juno Caprotina
conduzindo uma biga puxada por bodes
Denário cunhado em Roma no ano 131
Rev. Apolo conduzindo uma biga puxada por cavalos
(Ref.
Crawford-254/1, Sydenham-465)
Denário cunhado em Roma em 92 a.C.
Rev. Diana conduzindo uma biga puxada por cervos
(Ref. Crawford-336/1b,
Sydenham-595)
Enumeremos também os denários com as bigas de Hércules, Pax, Júpiter, Cibele, Liberdade,
Netuno, Ceres, Juno Sospita e outros, por vezes puxadas por centauros Dragões,
elefantes, leões, serpentes Hipocampos (cavalos
marinhos) etc..
Denário cunhado em Roma no ano 139 a.C.
Rev. Hércules
conduzindo uma biga puxada por centauros
(Ref. Crawford-229/1,
Sydenham-429, BMC-914, Sear-106)
Denário
cunhado em Roma em 128 a.C.
Rev. A
Pax conduzindo uma biga, ROMA
(Ref. Sydenham-496)
Denário cunhado em Roma no ano 125 a.C.
Rev. Júpiter conduzindo uma biga puxada por
elefantes
(Ref.Crawford-269/1,
Sydenham-485)
Denário
cunhado em Roma em 78 a.C.
Rev. Cibele
conduzindo uma biga puxada por leões
(Ref. Crawford.385/4)
Denário
serrado cunhado em Roma no ano 75 a.C.
Rev.
Libertas (Liberdade) conduzindo uma
biga puxada por cavalos
(Ref. Crawford-391/1)
Rev. Netuno conduzindo uma biga puxada por Hipocampos (cavalos marinhos)
(Ref.
Crawford-399/1ª, Sydenham-796)
Denário
cunhado em Roma em 76 a.C.
Rev.
Ceres conduzindo uma biga puxada por serpentes, M. VOLTE.I.M.F
(Ref. Crawford-385, Sydenham-776
Denário
cunhado em Roma 44 a.C.
Rev. Juno
Sospita conduzindo uma biga puxada por cavalos
(Ref. Crawford-480/2ª,
Sydenham-1057, RSC-36)
Denário cunhado em Roma 211-217 d.C.
Rev. Lvna Lvcifera (Lua Lucifera)
conduzindo uma biga puxada por cavalos
(Ref. RIC-Caracala-379, BMC
Caracala-10.C105)
AE 29 cunhado
na Tácia (Istrus) 193-211
Rev. Nique ou
Niquê conduzindo uma biga puxada por cavalos
(Ref. Varbanov-620)
Fáceis de conduzir, nos tempos antigos, as bigas e
quadrigas eram muito práticas, rápidas, foram utilizadas em guerras, mas também
em jogos de circos, muito apreciados pelos romanos.
Ao elaborar este trabalho, é quase impossível não pensar
nessas corridas, nas arenas e no público aplaudindo os seus campeões.
Mas, antes de entrarmos no assunto, temos que saber
que as bigas são carros puxadas por dois animais: cavalos, elefantes, leões,
touros, burros, dragões etc., as trigas por três, enquanto as quadrigas são puxadas por quatro.
Plínio o Antigo, diz-nos que na cerimónia fúnebre de Félix (auriga
célebre), um dos seus adeptos cheio de tristeza, atirou-se para a fogueira
aonde o seu seu ídole estava a ser cremado. Um gesto demente, que diz muito
sobre a paixão louca dos adeptos das corridas de carros e outros
jogos de circo.
As corridas de carros, por vezes com acrobacias, eram muito aplaudidas e
originavam grandes paixões.
É certo que o povo vibrava pelos carros puxados com dois ou três cavalos
mas, a mais apreciada era a quadriga puxada por quatro.
Os concurrentes eram profissinais que faziam parte de uma equipa mas, estas
eram limitadas e definidas por uma cor:
Sob o império os carros pertenciam a escudeiras que se distinguiam pelas suas cores.
As mais famosas eram: o Vermelho (em latim Russata) e o Branco(em latim
albata), em seguida o azul (Veneta) e o verde (Prasina).
De modo geral, a Russata corria contra a Veneta e a Albata contra a Prazina.
Cada equipa em particular a dos azuis e a dos vertdes tinham os seus
adeptos muito provocadores e, as suas cores correspondiam a tendências
políticas ou grupos sociais.
O Senado e a aristocacia tradicionalista, identificavam-se com os azuis
enquanto a massa popular e os mais democráticos apoiavam os verdes.
O auriga vestia-se com a cor da sua escudeira. Cada fação era dirigida por um dominus
factonis que dirigia uma garande equipa: cocheiros, palafreneiros,
veterinários etc,.
Também é frequente encontrarmos moedas com bigas,
trasportando o cadáver do imperador, ou imperatriz à sua última morada.
Agripina Senior-sestércio (póstumo)cunhado em Roma
por Calígula “seu filho” em 37-41
Biga funerária puxada por duas mulas, trasportando
o cadáver da imperatriz Agripina. MEMORIAE AGRIPPINAE SPQR
(Ref. RIC-55, BMC-81,
Sear-1827)
De notar, que só o imperador tinha o direito de utilizar uma quadriga, enquanto
as mulhers só tinha direito à biga, demonstrando mais uma vez que em Roma a
mulher era considerada a metade de um homem.
(Será por isso que ainda
hoje existe esta frase muito popular: “apresento-vos a minha metade”?)
A partir desta simples descrição, pensamos não ser necessário
apresentar em promenor todos os “bugatis”, tanto valorizados pelos Germanos e, que constituem uma grande parte do numerário
da República Romana, mesmo na época em que os monetários se inspiravam nos
feitos dos seus antepassados, para ornamentar os reversos dos denários.
Trigas
Outro meio de locomoção de origem etrusca e, pouco
frequente na numismática romana é a "triga "(carro
puxado por três cavalos).
Apesar de procurar muito, as informações sobre este
tipo de carro também não abundam. Sabemos que participava com alguma frequência
nos jogos de circo mas, não encontrei nenhuma referência sobre o porquê da sua
cunhagem.
Denário
cunhado em Roma no ano 79 a.C.
Rev. Uma
Vitória conduzindo uma triga puxada por cavalos
(Ref. Sydenham-769b)
Denário
cunhado em Roma em 111-110 a.C.
Rev. Uma
Vitória conduzindo uma triga puxada por cavalos
(Ref. Crawford-299/1
a, Sydenham-570, BMC- CRR-769/1, RRC-382/1, RCV-309, MMR-1277)
Quadrigas
Um tipo de reverso quase tão comum como os
dióscuros, a biga da Lua, da Liberdade, da Vitória e outros nos denários mais
antigos da Républica Romana, é o da “quadriga de Júpiter”, daí o nome de
“quadrigati” atribuído as estas moedas.
Denário cunhado em Roma em 136 a.C.
Rev. Júpiter
conduzindo uma quadriga puxada por cavalos
(Ref. Crawford-238/1,
Sydenham-451)
Este tipo começou a aparecer nos denários cunhados
em Roma e outras cunhagens provinciais romanas, nomeadamente nas quadrigas e
bigas de Júpiter que circulavam em
moedas de Campânia (ou Campanha), emitidas pelas oficinas de Cápua e Atella.
Campânia-3/8 de Shekel em electro, cunhado em Cápua 217-211 a.C.
(Sob ocupação de Aníbal)
Rev. Júpiter conduzindo uma quadriga puxadaa por cavalos
(Exemplar da Biblioteca Nacional de França)
(Ref. J. Babelon-catálogo da coleção de Luynes, Paris, 1936, n.58)
Campânia- AE 31
cunhado em Attela na segunda metado do século III
Rev. Júpiter
conduzindo uma quadriga puxada por cavalos
(Exemplar da Biblioteca Nacional de França)
(Ref. (Ref. J. Babelon, Catálogo da coleção de
Luynes, Paris, 1936, n.58)
Denário
cunhado em Roma em 141 a.C.
Rev. Venus
conduzindo uma quadriga puxada por cavalos
(Ref. Crawford- 226/1
Denário
cunhado em Roma no ano 130 a.c.
Anv. Hércules
conduzindo uma quadriga puxada por cavalos
(Ref.Crawford-255/1, Sydenham-511)
Denário cunhado em Roma em 132 a.C.
Rev. O Sol
conduzindo uma quadriga puxada por cavalos
(Ref. Crawford-250/1,
Sydenhan-487)
Denário cunhado em Roma em 104 a.C.
Rev. Saturno
conduzindo uma quadriga puxada por cavalos
(Ref.
Crawford-317/3ª)
Denário
cunhado em Roma em 138 a.C.
Rev. Marte
conduzindo uma quadriga puxada por cavalos
(Ref. Crawford-232/1, Sydernham-434)
Denário cunhado em Roma no ano 131 a.C.
Rev. Marte
conduzindo uma quadriga puxada por cavalos
(Ref. Crawford-252/1, Sydenham-472)
Denário cunhado em Roma no ano 125 a.C.
Rev. Libertas
Liberdade conduzindo uma quadriga puxada por cavalos
(Ref. Crawford-270/1-
Sydenham-513)
Denário cunhado em Roma em 104 a.C.
Rev. Saturno
conduzindo uma quadriga puxada por cavalos
Denário
Cunhado em Roma no ano 90
Rev. Minerva
conduzindo uma quadriga puxada por cavalos
(Ref. Crawford-341/5b,
Sydenham-684)
Denário cunhado em Roma em 83-82 a.C.
Rev. Uma
Vitória conduzindo uma quadriga puxada por cavalos
(Ref. Crawford-364/1b, Sydenham-742)
Denário
cunhado em Roma no ano 47 a.C.
Rev. Aurora
conduzindo a quadriga do Sol puxada por
cavalos
(Ref. Crawford-453/1c, Sydenham-959, BMC-4009)
Augusto-denário cunhado em Roma no ano 18
a.C,
Rev. Quadriga conduzida por uma Vitória puxada por cavalos
(Ref.
RIC I-128ª, RSC-274, BMCRE-392, BMCRR Rome-4429)
Áureo cunhado
em Roma no ano 55 d.C.
Rev. Estátuas de Augusto e Cláudio numa quadriga puxada por elefantes
(Rev. RIC-6, BMC-7, Sear5-2042)
Marco
Aurélio-Sestércio cunhado em Roma em 180
Rev. Quadriga
com a estátua de Marco Aurélio puxada por elefantes “com cornacas”
(Ref. RIC- 661,
Cohen-95, BMC-396, RCV-5985)
Constantino
I, 306-337
AE 4-póstumo, cunhado em Alexandria,
337-340.
Rev.
Constantino numa quadriga puxada
por cavalos a subir ao
céu,
com os
braços estendidos, para alcançar a mão de Deus,
(Ref. RIC-8-12ª,
Choen-760, LRBC-1374)
Que pretendia dizer Plínio quando nos fala de
Bigati (Hist. Nat. XXXIII, 3, 44) ?
Se nos referimos simplesmente à numismática, é
claro que este termo qualifica os denários da República Romana (com um peso de 1/84 da libra romana=3
escrúpulos) com Diana no reverso conduzindo uma biga e, que mais tarde foi substituída por uma Vitória.
É neste sentido puramente tipológico, que
pessoalmente utilizo aqui este termo ainda hoje muito utilizado, para qualificar este tipo de moedas.
Note-se que este tipo de denário com a "biga",
apareceu antes de cessar a cunhagem dos quinários e sestércios de prata por
cerca do ano 217 a.C., e, desapareceu completamente em 64 a.C. .
Se tivermos como objetivo a cronologia das
emissões, esta não foi a prmeira tipologia a ser utilizada aquando da criação
do denário (211 a.C.).
Estes denários com a biga, são portanto emissões
posteriores ao tipo primitivo que representa os Dióscuros a cavalo galopando para a direita, com uma lança na mão, os
mantos flutuando e, bonés cônicos encimados por duas estrelas emblemáticas: a
estrela da manhã e a estrela da noite.
Etimilogicamente, o termo Bigati utilizado por
Plínio, não nos parece bem apropriado para qualificar os primeiros denários
tipo Dióscuros, simplesmente porque a tipologia do reverso e o peso são
diferentes.
No entanto podemos pensar que, visto o longo
período que esse tipo foi cunhado em Roma, (mais
de 100 anos sempre com o mesmo reverso), originou que a popularização do
termo “bugati”, começasse a fazer parte da linguagem quotidiana como uma
nominação usual, empregada pelo cidadão romano, artesão, ou comerciante.
Quando Plínio (História Nattural, XXXIII, 3, 44),
ou Tive Live (XXII, 52, 54 e 58) também empregaram a palavra “quadrigati” para
classificar os outros denários, a explicação surpreende-nos! Mas, vamos
continuar com a opinião destes autores para compreendermos melhor.
É óbvio que, quando estes autores
falam de “quadrigate” nos seus textos, eles fazem referência aos denários
romanos que têm por tipo no reverso, uma divindade conduzindo uma quadriga que
sustituiu as “bigatis “emitidas anteriormente.
Lembramos que, de acordo com as observações
feitas na época por ambos os autores latinos, eles consideraram erradamente que
o tipo “quadrigati”, é o mais antigo dos denários emitidos pela oficina
monetária de Roma!
A confusão de Plínio, também vem do fato que foi
Júpiter o primeiro a aparecer neste tipo de denários com carro, (como no
didracma romano-campaniano).
Mais tarde, todos os deuses do Olimpo vão ser esculpidos nestes denários: Saturno, Marte,
Apolo, Palas, Hércules e outros.
Este tipo de denário também vai desaparecer no ano
64 a. C..
Este assunto ainda se torma mais complicado, por
Plínio também empregar a palavra “quadrigati”, para designar o didracma de prata romano-campaniano, com uma
representação janiforme dos dióscuros Castor e Polux no anverso e, no reverso
uma quadriga ao galope conduzida por Júpiter.
Portanto estes dois tipos de moeda são muito
diferentes?
Isto só pode ser explicado pelo fato que o valor
do didracma foi alinhado com o valor do denário “quadrigati ou bigati” de
Plínio.
Com efeito, estes didracmas de seis scripulum ou scripolum, ainda circulavam
quando o denário romano com um peso de 4 scrupulum ainda servia de moeda de
referência.
( 1 scrupulum = 1/24 parte da onça ou seja 1,137
gr.).
O valor fiduciário do didracma foi então
oficialmente reduzido para ser equivalente ao do denário, ser ter em conta a
diferença do peso.
MGeada
Bibliografia
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Numismatique Romaine de la République au Haut-Empire, Paris, Errance, 1991.
Babelon, Ernest; Description
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Michel Christol, Daniel
Nony ; Rome et son empire, des origines aux invasions barbares.
George Depeyrot, La Monnaie
Romaine : 211 a.C.-476 d.C., Éditions Errance, 2006.
Sydenham, Edward A. The Coinage of the Republic,
1952
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